sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O Mistério do Samba


“O samba, na realidade, não vem do morro, nem lá da cidade”


Esse verso de Noel Rosa encerra em si o mistério do samba, nome do filme que registra/recupera (ou talvez só preste mesmo muita atenção) o cotidiano da velha guarda da Portela, no pequeno bairro de Oswaldo Cruz, no Rio.

E pode-se dizer que esse mistério se apresenta lindamente ao longo dos 90 minutos de filme, nos enquadramentos que mais parecem retratos do colorido dia-a-dia de Oswaldo Cruz e, por que não, do próprio samba, que chega para mostrar que não é somente um retrato/registro o que se vê. O samba penetra em nós, alegre, triste, não importa, vai se adentrando e quando nos damos conta, estamos encharcados de samba e azuis de Portela.

Casquinha, Manacea, Jair do Cavaquinho, Tia Doca e outros nomes que podemos até não conhecer, mas que soam estranhamente familiares; é a velha guarda, e dessa já ouvimos falar, e que, de fato velha, não perdeu o ritmo.

Ser tragado pelo samba em tão boa companhia é muito mais fácil, prazeroso e emocionante do que podemos imaginar, principalmente quando somos conduzidos pela voz e a presença de veludo de Marisa Monte junto com Paulinhoda Viola na tela, e por Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor nas câmeras, que parecem, de fato, procurar desvendar o tal mistério em cada plano e em cada personagem que encontram nas esquinas de Oswaldo Cruz.
Já Marisa, que aparece durante quase todo o tempo, caminha por entre as cenas exalando prazer e intimidade com as pequenas histórias e personagens que emergem aqui e ali, sempre da mesma fonte: o samba, protagonista por excelência.

Observando atentamente o bairro de Oswaldo Cruz durante o filme ou a descrição de outros lugares ligados ao ritmo em algumas composições famosas, tais como Feitiço da Vila, para citar Noel Rosa novamente, ou Estácio, Holly Estácio de Luiz Melodia, é possível perceber as questões sociais que foram matéria-prima da origem do samba como ritmo e manifestação cultural, mas também tema recorrente de diversas canções.

É isso o que há de mais bonito no filme, e na intenção de realizá-lo: a reunião de histórias que se constroem a partir desse ritmo essencialmente brasileiro, ou ainda os vestígios da História que se pode encontrar nele.

O mais interessante é que o filme não foi montado para ser assistido apenas como essa reunião; é um processo de busca, de descoberta mesmo, conduzido com muito deleite por seus realizadores, o que o torna ainda mais cativante, e de repente nos percebemos parte dessa busca, que também é um encontro.
Assim, O Mistério do Samba extrapola os limites e os efeitos de um registro documental, pois o mistério transpõe a tela, através da música, e nos lembra que a arte precisa da busca e do encontro para acontecer.