terça-feira, 30 de novembro de 2010

Um filme que veio da rua

Um filme dirigido pelo artista inglês conhecido como Banksy, grafiteiro e artista de rua mundialmente famoso não apenas pelo seu trabalho incrível e variado, mas também pela introspecção exagerada, afinal ele se recusa a revelar sua identidade, seu rosto e qualquer outro detalhe da sua vida pessoal.

Suas obras são o que sabemos dele e o fato de assinar a direção de um filme torna sua persona ainda mais interessante e curiosa. Logo, vindo de quem vem, “Exit Through the Gift Shop” não poderia deixar de ser uma obra de arte absolutamente surpreendente e original.

Banksy, como sabemos, nunca revela seu rosto, mas aparece encoberto falando diretamente com o público desde a primeira cena, supostamente para funcionar como um guia através das reviravoltas que o filme dará. Depois, somos apresentados a um personagem bastante carismático e curioso, Thierry Guetta, um cara que filma tudo o que vê pela frente, obsessivamente. Quando ele descobre a arte de rua e o fascínio que a marginalidade intrínseca a ela exerce, decide filmar diversos artistas de rua em ação para, quem sabe, num dia longínquo, montar um documentário sobre o tema.

O filme se subdivide em diversas camadas, construindo um jogo metalingüístico curiosíssimo, divertido e instigante. “Exit Through the Gift Shop” poderia ser muitos filmes, ao mesmo tempo que é um só. Não é uma obra acabada, característica que partilha com arte que pertence às ruas. O grafite, a pichação, as instalações, performances... Todos eles dependem de certa marginalização e liberdade para existir, e Banksy soube transmitir muito bem essa singularidade da street art pela tela do cinema.

Para além do jogo de espelhos entre personagem/pessoa e realidade/ficção, é impossível ignorar as boas cutucadas que o filme dá no cinema como catalisador da sociedade do espetáculo em que vivemos. Talvez esse seja mesmo o mote de “Exit Through the Gift Shop”, a espetacularização da vida e da arte, e o seu decorrente esvaziamento.

O que Banksy tem para dizer, e é muito difícil fazê-lo sem hipocrisia ou incoerência, é que talvez a marginalização não seja necessária somente para a arte de rua, mas para a arte como um todo. Rotular, divulgar, vender; são verbos que não combinam com nenhum processo criativo. Será?

O próprio Banksy, ao assinar a direção desse filme, gerou o merecido hype que fez as suas três exibições na 34ª Mostra de Cinema de São Paulo, entre outras sessões mundo afora, lotarem. Seu nome (embora ninguém saiba qual é) também virou uma grife, e quem assistir o filme sairá certo de que ele não é ingênuo a ponto de ignorar esse fato, o que não invalida em nada o argumento de “Exit Through The Gift Shop”. Como em seus famosos grafites, crítica social, ironia e humor ácido permeiam todo o filme. É bem por aí, entre o lúdico e o incisivo, que o filme propõe pertinentes e intrigantes reflexões a respeito da arte que se faz nessa tal pós-modernidade em que vivemos.

O pseudo/possível documentário vale também como um dos mais completos e criativos painéis da arte de rua já vistos no cinema. Assistimos a diferentes manifestações artísticas ditas underground sem nem perceber o tempo passar – hipnotizados pela imprevisibilidade dos temas e artistas sensacionais a que somos apresentados.
Banksy fez a proeza de unir num único trabalho uma brincadeira com as tênues e inesgotáveis fronteiras entre ficção e documentário; uma das mais contundentes críticas à mercantilização da arte; um profundo questionamento sobre o que define, afinal, uma obra de arte e, por último, mas não menos importante, um filme muito bom de assistir.

A tradução livre para o título do filme (ainda sem nome oficial em português) seria “saída pela loja”, mas “Exit Through the Gift Shop” passa longe de saídas e traduções fáceis. O filme fura todos os semáforos, vem correndo pelo meio da rua, arromba a porta da frente e não vai mais embora.

Um comentário:

Felippe Lepiane disse...

Você deveria confiar mais em vc e escrever mais! eu demoro 6 meses pra ler e faz mais tempo ainda que eu vi o filme, mas a critica ta tao boa que faz voltar tda a hist do filme e da vontade de ver de novo!!